I
Na noite fria de trevas,
uma brisa estúpida perambula
com mãos de medo.
Ao longo das calçadas dormem
inocentes, os anjos do apocalipse!
O silêncio espreita as esquinas,
roubando-lhes formas fantasmagóricas
e soltando-as pelas ruas.
Quem poderá me falar sobre os sonhos
dos que se perderam em tão sôfregos sonhos???
Translúcida a lua esbarra nas nuvens,
e as estrelas estremecem no céu em alaridos...
Os filhos da pátria repousam
no "berço esplêndido" das sarjetas!
Até que a lei despenca dos carros,
em rajadas de fogo...
e aquele que deveria proteger,
torna-se algoz,
cuspindo morte
e espalhando pelas ruas
o sangue de um futuro,
o futuro de um "planeta"
chamado Brasil!
II
Elas, como dói ver
aquelas meninas mortas!
suas vidas esvaem-se em camas,
nos sujos quartos das podres cidades.
Roubam-lhes a castidade e a alma,
dragando-lhes os sonhos mais infantis.
Os dólares compram seus corpos
envelhecendo seus olhos!
Que oportunidades poderiam ter
essas pequenas "marias"
diante da brutalidade desses homens???
Ventres que deveriam abrigar novos seres,
guardam hoje uma grande vergonha,
porque em suas entranhas
penetram apenas os prazeres profanos
dos donos do poder.
Há sangue escorrendo pelos guetos,
onde estupram-nas!
Seus belos corpos estampam-se
em revistas e jornais.
Fotos coloridas levam-nas a fama,
enquanto o desejo animal
destrói-lhes o destino,
espalhando pelos prostíbulos
os sonhos de um futuro,
o futuro de um "planeta"
chamado Brasil!
III
A morte ronda aqueles campos,
que de santo, nada tem.
O filhos da fome
choram a dor do destino
mostrando suas bocas nuas!
Sustentam-se nas finas pernas,
e esperam famintos
pelo desabar da chuva.
Que alimento, meu Deus,
poderiam os homens dessa terra
enviar, para matar-lhes a angústia???
Mais que a barriga,
a alma rasteja
na podridão da miséria.
"Em teu seio, ó liberdade"
queriam essas crianças
degustarem o leite
roubado pelos soberbos,
que nos palácios ruminam
com indiferente felicidade,
"o pão deles de cada dia"!
E via satélite,
assistem consternados,
com os olhos inundados em lágrimas,
a voracidade da seca
rasgando o sertão,
e espalhando pela caatinga
as covas de um futuro,
o futuro de um "planeta"
chamado Brasil!
Otail Santos de Oliveira - Pouso Alegre (MG) - 1993/1994
1º Lugar de Literatura no FESPROVE 2009
1º Lugar de Interpretação no FESPROVE 2009 (Intérprete: Lúcio Marques)