quinta-feira, 4 de junho de 2015

À Liberdade III



... Deixaste em mim tua lembrança como estrela...
Aproximaste de mim como um sopro de inverno
Buscando os campos.
Tu não pousaste em meu ser
Para serdes somente um acaso.
Serei eu, por ventura, tua mão?
Não! Não quero ser tua mão!
A mão simboliza a força,
E a força transgride a inocência...
Meu coração não coseguiria viver além da inocência,
Minha alma se retrai em pensar no poder da força.
Deixe que eu seja apenas os teus pés;
Quero levar-te até os confins deste mundo...
Mostrarei a te as pessoas chorarem...
Os rios inundarem as planícies e as cidades...
Tem sol para dourar a grama verde
E fogo devorando as florestas.
Tem menina loira que nua se banha no riacho,
E meninos negros, pobres, arrastando-se nos esgotos das calçadas...
Tem mel descendo da copa das árvores,
E muita fome na boca dos esquecidos...
Tem teu sopro de vida na asa da mariposa,
E tua completa omissão nos braços pendidos nos presídios...
Tu nadas atrevida entre as trutas
Descendo as encostas dos vales,
Mesmo assim, olhos tristes não te enxergam na madrugada...
Tem cascatas a chorar o adeus das águas,
E pescador solitário a falar com as pedras...
Todo o universo olha assustado
O despertar da nova aurora de crianças assassinas
E pais omissos!
E teu nome que tantas guerras já fecundou!
Teu cheiro que tantas mortes já velou!
O que poderão fazer???
... Falei de mim à tua estrela...
Quero dormir em teu colo de mãe!
Teus filhos imploram por teu ventre,
Querem teus seios, suas bocas desdentadas,
Obsecadas pela luxúria!
Usam teu sagrado nome para conquistarem o poder,
Blasfemando sobre teu sepulcro de paz.
Usam tua alma como algoz,
Escravizando as crianças...
Sequestrando as crianças!
Como é triste espreitar esse medo.
Tua luz torna-se cada vez mais negra,
E tua sorte mais distante.
Ah, adorada estrela, antes que me leves
A ter com as bestas,
Deixe-me saborear teus lábios
Sabendo a morangos carnudos.
Talvez, deste amor impossível.
Possam os pequenos da terra
Saciarem-se das nossas juras,
E antes que o dia parta, adeus!





Rio de Janeiro (RJ), 08 de novembro de 1987.



Otail Santos de Oliveira

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