sábado, 13 de junho de 2015

GAZA

Que culpa tenho eu de amar as estrelas?
Me perder calado entre as bombas...
Meu Deus, por que as crianças voam?
Aonde vão suas almas sem seus corpos estraçalhados???
Um riso amargo estampa meu rosto.
Quero correr entre os blindados,
Plantar flores nos obuseiros,
Dançar com os soldados...
Mas os mísseis cruzam o céu
E sirenes enchem o ar de medo!
Vejo rapazes de ambos os lados
Sustentarem no cenho um ódio mortal,
Transformando o chão ressequido
Em um lamaçal de sangue.
E as crianças lançadas à eternidade,
Por rajadas furiosas...
Ah Senhor,
Que culpa tenho eu por amar as estrelas
Sem poder trazer delas
A paz da imensidão?!?

Pouso Alegre (MG), 21 de julho de 2014.


Otail Santos de Oliveira

Favela Nova República

A noite guarda o sol em seu bolso longo...
Além, no resto, um rastro ruborizado...
O silêncio invade a metrópole,
Em seu retornar cansado...
Vácuo na distância...      !!!
O que era murmúrio,
Torna-se uma convulsão dilacerante...
O que era imprudência,
Será impunidade!
E o retorno,
Já é fuga.
... silêncio... EXPLOSÃO... SILÊNCIO!!!
Vozes procuram sufocados socorros...
Desesperadas, pás vão atrás de mãos desamparadas...
Na vala comum vidas lamentam,
Mortes brotam do chão remexido.
A noite guarda o sol em seu bolso,
Enquanto via satélite o mundo assiste
Quedado de horror, a tragédia...
Não chore Fernanda,
Já é hora de dormir nas mãos dos anjos...


Pouso Alegre (MG), 24 de outubro de 1989.

Otail Santos de Oliveira

Era Assim Quando Eu Chorava

Era assim quando eu chorava!
Nunca ninguém chorou assim...
A mão buscava o rosto,
O rosto molhado pelas lágrimas,
As lágrimas de quando eu chorava!
Era um não poder que não podia,
Correr atrás do sol no dia...
Eu não chorava por ser,
Mas chorar era pretender...
Foi um tempo quando as horas
Perfumadas pelo vento que soprava,
Roubava medos enquanto amava...
Era assim quando eu chorava,
Na mão da vida que se matava;
Na mão do sonho que eu não sonhava...
Mudou o choro, o motivo não!
Nem todo sofrimento é o mesmo,
Mas eles nascem da mesma solidão...
Era assim quando eu chorava,
E assim será se eu vier a sorrir!



Pouso Alegre (MG), 12 de março de 1983.


Otail Santos de Oliveira

A velha da casa velha

Parede rachada
telhado escuro
pó na calçada
caído do muro

Parede amarelada
sem tinta ou repasse
janela abraçada
no dia que nasce

O que vejo de repente?
duvido! aquilo é fato?
- uma velha no telhado
correndo atrás do gato?

A vizinha além do muro
espia de lá (alcoviteira)!
o pega-pega esquentado
da velha na cumeeira

Se a vizinha me contasse
eu diria: "ah isso é intriga!"
Mas eu vejo a velha e o gato
Quem irá ganhar a briga?

E rodopia a anciã
e funga, e resmunga, e vai
até que enrosca a perna
balança, equilibra e cai

Então a alegria atoa
gargalha num riso só
tudo brinca no quintal:
- o muro, a casa, o pó!...

Há peças no cotidiano
teatro sem texto ensaiado
equilibristas de circo
no palco de um telhado!



Otail Santos de Oliveira - Pouso Alegre (MG) - 06 de março de 1976.

A Tempestade

Como fazem barulho essas gotas de chuva!
Rompem-se das nuvens em alaridos,
Para despencarem sobre os telhados sedentos.
Unem-se nas cumeeiras, formando bicas intermináveis...
Ah, essas gotas...!
Arrastam trovões pelo céu,
E atiram raios sobre o olhar assustado das crianças.
Sonham com rios,
E engolem as calçadas,
                           As ruas,
                                        As casas,
                                                      Os carros...
Ah, queridas gotas!
Por que transformam as tardes em tumultuo?
Por que fazem das noites desesperos??
E as manhãs, por que herdam as lágrimas???
Minhas gotas inconseqüentes,
Lavam a alma deste poeta
Com seu ruído intermitente...

Pouso Alegre (MG), 22 de março de 1991

Otail Santos de Oliveira

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Devaneios IV

E eu que olhava o espaço das minhas mãos,
a gula desmedida dos meus olhos na amplidão dos meus braços;
e eu que chorava o medo na escuridão da noite,
alienada de mim, minh’alma voava pela negritude infinita da madrugada;
e eu que fugia das mentiras da minha boca,
viajando pelas verdades das minhas pernas;
e eu que nunca pude dizer não aos impulsos,
levei meu destino ao encontro inevitável com o meu não!
Ah vida abstrata, sombra ancestral traçando o futuro:
- Para onde irei além destes poucos sonhos???
Ah juventude escorrida dentre os dedos:
- Leva a saudade dos meus dias azuis...
- Devolva a esperança a esses anos que estão por vir...

E eu que vaguei pelas margens do rio, rolando pela correnteza amarga;
o grito da morte, a angustia dos que ficaram pelos sumidouros...
e eu que abri as portas do meu peito aos amigos necessitados,
ladrões sorrateiros, traidores da minha inocência;
e eu que engoli os temperos desses dias tempestuosos,
comendo migalhas e restos dos soberbos bondosos;
e eu que acreditei na felicidade de muitos, e,
aos poucos, nem uma fagulha do sorriso nas bocas da fome!
Ah vida escondida, histórias de folhetim, roubando o espaço:
- Por que devo ir somente até estes poucos sonhos????
Ah juventude apodrecida nos galhos:
- Leva esta existência perdida pelos passos...
- Devolva a plenitude do amor no rascunho da poesia...

Pouso Alegre (MG), 12 de julho de 1989.

Otail Santos de Oliveira

Da Morte

Nas poucas palavras que restaram
Entre o último suspiro
E a primeira estrela,
Vagueia agora a alma liberta...
No seu despertar
Percebe não ter morrido;
Somente o abandono físico...
E o espírito nu
Volita pela imensidão
Em lampejos de eternidade!


Pouso Alegre (MG), 14 de outubro de 1999.


Otail Santos de Oliveira

Aniversário



Busco minha eternidade
absolvendo os minutos que passam
dentro de cada hora...
atrás de cada dia...
Conto todos os momentos
e entrego o mundo
ao futuro...
Lá hei de morar, e,
certamente, descansarei
meu pesado sono
em seu travesseiro
de nuvens!




Pouso Alegre (MG), 11 de agosto de 1994.


Otail Santos de Oliveira

À Liberdade II

Lembro-me de ti
quando desponta o sol pelas montanhas
quando passeio pelas encostas
quando o vento rompe em assobios
quando desdobra-se a rosa
 a soluçar perfumes...

Lembro-me de ti
quando as lágrimas do sorriso
escorrem traiçoeiras
quando o falar gagueja
a emoção da palavra
quando do som nasce o canto
e do canto o grito de amor...


Lembro-me de ti
após tantas corredeiras
e em sonhos, quando
descansas teu nome
numa imensidão de nuvens luzentes...
pois tu chamas vida
regato das essências
luz...
Liberdade!


Rio de Janeiro (RJ), 15 de junho de 1987


Otail Santos de Oliveira

É

É o dia de meias verdades!
Meias mentiras contadas por meias palavras...
Todos os tempos já passaram e os que ficaram,
Esperam pela hora infindável do próximo destino.
Quantos dias já sobreviveram a tantos desastres,
E futuramente hão de vencer este passado...
É o dia de juntar os retalhos,
Olhar velhas fotografias,
Pregar botões em rotas camisas...
O bom e desbotado jeans preso no armário:
– Recordações, passado, anos de dias...
Dia de vidas cruzadas, intercruzadas pelas ruas:
– O olhar preso na distância...
– A lembrança atada ao olvido...
É o dia dos meios dias,
Trazido pelas meias horas
Da meia saudade que jamais senti.


Pouso Alegre (MG), 13 de abril de 1989


Otail Santos de Oliveira

Domingo

Que o dia, no seu pacato silêncio,
Mire-se no espelho da noite, e morra a efêmera poesia!
Em volta da mesa, os bichos trocam ideias sobre a política local...
Nem tudo é coma alcoólico,
E os mais eufóricos, estes, vão ao estádio assistir ao futebol!
Suas mágoas esvaem-se na peleja...
No muito da paciência, ouve-se um óóóóóóóóó... h!
É geral o nervosismo roendo unha...
Sem foguetório segue o jogo...
Muitas coisas acontecem nesse meio tempo.
E, perdendo tempo, outros seguem a ordem dos esquecidos...
... rumo a um fim de rua...
Na casa branca, um samba na vitrola.
As horas roubam o domingo dos dorminhocos,
Enquanto choram os subalternos pelas horas vindouras...
“sempre é algo que se tem para sempre!”
Impregnado no calendário imaginário do futuro...
E quanto à bomba?
Que bomba??
Bomba... só se for aquela de encher pneu de bicicleta...
(bomba de gasolina só serve para levar do bolso o dinheiro suado do mês)!
Na vila dos operários... em todas as fachadas... em todos os muros:
- “Rosa Eu Te Amo Você!”
É, os muros são meras declarações de amor...!
E o amor anda solto pelos muros...
E os muros prendem almas abarrotadas de amor!
Gooooooooooool! O rádio pula frenético no fundo da estante!
E dezenas de foguetes... centenas de foguetes... milhares de foguetes...
Ufa! Incontáveis estampidos rompem o prelúdio do luar...
“É, somente um gol para levantar o moral!”
... e em torno da mesa, os bichos continuam discutindo sobre o destino dos homens.
Sem cura, todos levantam e reverenciam a noite.
Não obstante a ilusão, dorme mais um descaso...
Não há lágrimas... só espera...
Eterna espera por chegar...

Pouso Alegre (MG), 17 de junho de 1982.

Otail Santos de Oliveira

À Liberdade III



... Deixaste em mim tua lembrança como estrela...
Aproximaste de mim como um sopro de inverno
Buscando os campos.
Tu não pousaste em meu ser
Para serdes somente um acaso.
Serei eu, por ventura, tua mão?
Não! Não quero ser tua mão!
A mão simboliza a força,
E a força transgride a inocência...
Meu coração não coseguiria viver além da inocência,
Minha alma se retrai em pensar no poder da força.
Deixe que eu seja apenas os teus pés;
Quero levar-te até os confins deste mundo...
Mostrarei a te as pessoas chorarem...
Os rios inundarem as planícies e as cidades...
Tem sol para dourar a grama verde
E fogo devorando as florestas.
Tem menina loira que nua se banha no riacho,
E meninos negros, pobres, arrastando-se nos esgotos das calçadas...
Tem mel descendo da copa das árvores,
E muita fome na boca dos esquecidos...
Tem teu sopro de vida na asa da mariposa,
E tua completa omissão nos braços pendidos nos presídios...
Tu nadas atrevida entre as trutas
Descendo as encostas dos vales,
Mesmo assim, olhos tristes não te enxergam na madrugada...
Tem cascatas a chorar o adeus das águas,
E pescador solitário a falar com as pedras...
Todo o universo olha assustado
O despertar da nova aurora de crianças assassinas
E pais omissos!
E teu nome que tantas guerras já fecundou!
Teu cheiro que tantas mortes já velou!
O que poderão fazer???
... Falei de mim à tua estrela...
Quero dormir em teu colo de mãe!
Teus filhos imploram por teu ventre,
Querem teus seios, suas bocas desdentadas,
Obsecadas pela luxúria!
Usam teu sagrado nome para conquistarem o poder,
Blasfemando sobre teu sepulcro de paz.
Usam tua alma como algoz,
Escravizando as crianças...
Sequestrando as crianças!
Como é triste espreitar esse medo.
Tua luz torna-se cada vez mais negra,
E tua sorte mais distante.
Ah, adorada estrela, antes que me leves
A ter com as bestas,
Deixe-me saborear teus lábios
Sabendo a morangos carnudos.
Talvez, deste amor impossível.
Possam os pequenos da terra
Saciarem-se das nossas juras,
E antes que o dia parta, adeus!





Rio de Janeiro (RJ), 08 de novembro de 1987.



Otail Santos de Oliveira

A Lua



A lua redonda
Como um tamanco
Vermelha
Como um sorvete de coco

Sai da rua menina
Senão o boi te pega

Se você não gosta de goiabada

Por que comeu minha bicicleta?!?


Pouso Alegre (MG), maio/1971

Otail Santos de Oliveira