quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Queda d’àgua



Em silêncio vão as margens, de r

                                                     epe

                                                            nte

                                                      abre-se a t

                                                                       erra

                                                            como boca

                                                       gigantesca, engo

                                                                                   li

                                                                                     ndo

                                                  vomitando convulsivamente

                                                                       a imensidão do rio

                                                        e o que era calma torna-se des

                                                                                                           va

                                                                                                                irio

                                                    e onde era vista a solidão... vê-se almas vo

                                                                                                                          ando

                                                                                                                            translo

                                                                                                                                   ucadas

                                                                                                             e onde silêncio havia

                                                                                           a loucura em erupção se revela...

                                                                          há correria e o tumultuo faz-se calmaria de s

                                                                                                                                                  úbito seguindo seu caminho de orações rumo ao mar....





Otail Santos de Oliveira

Retalhos





1)

“Enquanto os homens exercem

Seus podres poderes

Índios e padres e bichas

Negros e mulheres

E adolescentes

Fazem o carnaval...



Queria querer cantar

Afinado com eles

Silenciar em respeito

Ao seu transe num êxtase

Ser indecente

Mas tudo é muito mau...”



2)

“Quando você for convidado pra subir no adro da

Fundação Casa de Jorge Amado

Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos

Dando porrada na nuca de malandros pretos

De ladrões mulatos

E outros quase brancos

Tratados como pretos

Só pra mostrar aos outros quase pretos

(E são quase todos pretos)

E aos quase brancos pobres como pretos

Como é que pretos, pobres e mulatos

E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados...”



3)

“... Quem foi que disse que os homens nascem iguais?

Quem foi que disse que dinheiro não traz felicidade?

Se tudo aqui acaba em samba,

No país da corda bamba, querem me derrubar!!!

Quem foi que disse que os homens não podem chorar?

Quem foi que disse que a vida começa aos quarenta?

A minha acabou faz tempo, agora entendo por que...



Cada dia eu levo um tiro

Que sai pela culatra

Eu não sou ministro, eu não sou magnata

Eu sou do povo, eu sou um Zé Ninguém

Aqui embaixo, as leis são diferentes...”



4)

“... Foram tantos os pedidos,
Tão sinceros, tão sentidos,
Que ela dominou seu asco.
Nessa noite lancinante
Entregou-se a tal amante
Como quem dá-se ao carrasco.
Ele fez tanta sujeira,
Lambuzou-se a noite inteira
Até ficar saciado
E nem bem amanhecia
Partiu numa nuvem fria
Com seu zepelim prateado.
Num suspiro aliviado
Ela se virou de lado
E tentou até sorrir,
Mas logo raiou o dia
E a cidade em cantoria
Não deixou ela dormir:



"Joga pedra na Geni!
Joga bosta na Geni!
Ela é feita pra apanhar!
Ela é boa de cuspir!
Ela dá pra qualquer um!
Maldita Geni!”



5)

“...Tá vendo aquele colégio moço

Eu também trabalhei lá

Lá eu quase me arrebento

Fiz a massa, pus cimento

Ajudei a rebocar

Minha filha inocente

Vem prá mim toda contente

‘Pai vou me matricular’

Mas me diz um cidadão:

‘Criança de pé no chão

Aqui não pode estudar’

Essa dor doeu mais forte

Por que é que eu deixei o norte

Eu me pus a me dizer

Lá a seca castigava

Mas o pouco que eu plantava

Tinha direito a comer...”



E do alto da cruz...:



“Pai, perdoa-os,

Porque eles ainda

Não sabem o que fazem!”



Pouso Alegre (MG), 09 de setembro de 2010.



Otail Santos de Oliveira



1) Podres Poderes (Caetano Veloso)

2) Haiti (Música de Caetano Veloso e Gilberto Gil, Letra de Caetano Veloso)

3) Zé Ninguém (Álvaro, Bruno, Miguel, Sheik, Coelho)

4) Geni e o Zepelin – (Chico Buarque de Holanda)

5) Cidadão (Lúcio Barbosa)



*Este poema é uma colagem. A colagem é uma modalidade de poesia moderna onde o autor usa fragmentos de outras obras para expor uma ideia, uma situação. Ela deve trazer no final o título da obra fragmentada e seu autor, e a sua utilização não pode descaracterizar a obra original.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Madrugada

Em tudo que se diz sombra,
sombra será até amanhecer!
Mas, há calmaria de estrelas,
que interpelam o silêncio das trevas,
transformando tudo em um mar de pérolas cintilantes.
Como porém romper essa escuridão espessa
cobrindo o coração?
Não é uma questão de amor esculpido na alma,
nem tampouco, paixão impregnada nos sonhos.
O pensamento transfere a magia do luar,
mas o que fazer com a cegueira da solidão?
Ela se mudou para o cume do sentido,
e de lá, jamais, jamais sairá.
Em tudo que se diz amor,
amor será até que se acorde!
O pesadelo cotidiano
transcende migalhas esperançosas,
buscando refúgio no prazer de se amar.
Enfadonho deliberadamente,
o momento rebusca cada traço de boa lembrança,
para transformá-lo em saudade.
E a saudade é algo que não morre nunca!
Vive-se dela, alimentando-a
até que se torne um gigante descomunal,
no apogeu da tragédia cômica de se perder.



Rio de Janeiro (RJ), 23 de outubro de 1987 - Otail Santos de Oliveira

À Liberdade III

Lembro-me de ti
quando desponta o sol pelas montanhas
quando passeio pelas encostas
quando o vento rompe em assobios
quando desdobra-se a rosa
 a soluçar perfumes...

Lembro-me de ti
quando as lágrimas do sorriso
escorrem traiçoeiras
quando o falar gagueja
a emoção da palavra
quando do som nasce o canto
e do canto o grito de amor...


Lembro-me de ti
após tantas corredeiras
e em sonhos, quando
descansas teu nome
numa imensidão de nuvens luzentes...
pois tu chamas vida
regato das essências
luz...
Liberdade!

Rio de Janeiro (RJ), 15 de junho de 1987 - Otail Santos de Oliveira

Anunciação

Porque tenho a camisa suada e a boca seca...
(a falta de saliva, gasta em fúteis discursos)!
pela vida lá se vão minhas palavras,
aves roubando o espaço das nuvens.
Sobressai minhas mãos, rotas amarguras,
guerras travadas adiante, no passado:
- bruscas tempestades lívidas presenças
rasgando o chão como enxada peçonhenta.
Mas sabe de mim teus olhos cansados,
do amor guardado em meu peito,
luz rompendo a aurora
na volúpia do beijo trazido de um sonho...
E tu, já menina, ainda mulher!
Gole de cachaça adoçando em delírio
o brando amargor da saudade.
Sobretudo, ainda resta a lembrança:
- o toque moreno de minhas mãos
na alva sede de teu rosto...
teu sabor de coisa pura na textura de meus lábios,
atraídos eternamente pelo hálito doce
de teu êxtase no fogo da nossa paixão.
Porque tenho aqui, dentro dos meus olhos,
o retrato do teu sorriso:
- libélula branca, pousando hora aqui, hora alí
no palco florido onde vou vivendo a grande epopéia.
Ai de mim, fogo atroz, labaredas queimando
o mato estendido na cama verde da campina...
Deixei correr o rio - o mar tomou-o!
Na tranquilidade da tarde poeirenta,
nuvem vermelha, resto da cavalhada
subindo a estrada nua do sertão.
Ai de mim, amor sofrido!
tantas vezes banhado em prantos...
quantas vezes ressurgido à felicidade,
num pedaço amarrotado de papel
escondido no fundo do bolso,
em cujas fibras torcidas,
floriam versos de amor:
- simples como o sorriso da mãe na espreita do parto;
doloroso como o romper do útero, abertas as portas do nascimento;
feliz como o vagido da criança,
o grande mistério da criação,
o amor transformado em vida!
Porque tenho aqui na ponta do lápis
a sofreguidão do menino e a coerência do sábio...
porque me eleva assim, teu cheiro a ter com as estrelas:
- deixa amor que minha voz escorra por tuas entranhas,
para que na fertilidade de tuas carícias,
possa eu brotar em flor no teu amor.


Pouso Alegre (MG), 19 de dezembro de 1985 - Otail Santos de Oliveira