terça-feira, 13 de setembro de 2011

Anunciação

Porque tenho a camisa suada e a boca seca...
(a falta de saliva, gasta em fúteis discursos)!
pela vida lá se vão minhas palavras,
aves roubando o espaço das nuvens.
Sobressai minhas mãos, rotas amarguras,
guerras travadas adiante, no passado:
- bruscas tempestades lívidas presenças
rasgando o chão como enxada peçonhenta.
Mas sabe de mim teus olhos cansados,
do amor guardado em meu peito,
luz rompendo a aurora
na volúpia do beijo trazido de um sonho...
E tu, já menina, ainda mulher!
Gole de cachaça adoçando em delírio
o brando amargor da saudade.
Sobretudo, ainda resta a lembrança:
- o toque moreno de minhas mãos
na alva sede de teu rosto...
teu sabor de coisa pura na textura de meus lábios,
atraídos eternamente pelo hálito doce
de teu êxtase no fogo da nossa paixão.
Porque tenho aqui, dentro dos meus olhos,
o retrato do teu sorriso:
- libélula branca, pousando hora aqui, hora alí
no palco florido onde vou vivendo a grande epopéia.
Ai de mim, fogo atroz, labaredas queimando
o mato estendido na cama verde da campina...
Deixei correr o rio - o mar tomou-o!
Na tranquilidade da tarde poeirenta,
nuvem vermelha, resto da cavalhada
subindo a estrada nua do sertão.
Ai de mim, amor sofrido!
tantas vezes banhado em prantos...
quantas vezes ressurgido à felicidade,
num pedaço amarrotado de papel
escondido no fundo do bolso,
em cujas fibras torcidas,
floriam versos de amor:
- simples como o sorriso da mãe na espreita do parto;
doloroso como o romper do útero, abertas as portas do nascimento;
feliz como o vagido da criança,
o grande mistério da criação,
o amor transformado em vida!
Porque tenho aqui na ponta do lápis
a sofreguidão do menino e a coerência do sábio...
porque me eleva assim, teu cheiro a ter com as estrelas:
- deixa amor que minha voz escorra por tuas entranhas,
para que na fertilidade de tuas carícias,
possa eu brotar em flor no teu amor.


Pouso Alegre (MG), 19 de dezembro de 1985 - Otail Santos de Oliveira

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