terça-feira, 13 de setembro de 2011

Madrugada

Em tudo que se diz sombra,
sombra será até amanhecer!
Mas, há calmaria de estrelas,
que interpelam o silêncio das trevas,
transformando tudo em um mar de pérolas cintilantes.
Como porém romper essa escuridão espessa
cobrindo o coração?
Não é uma questão de amor esculpido na alma,
nem tampouco, paixão impregnada nos sonhos.
O pensamento transfere a magia do luar,
mas o que fazer com a cegueira da solidão?
Ela se mudou para o cume do sentido,
e de lá, jamais, jamais sairá.
Em tudo que se diz amor,
amor será até que se acorde!
O pesadelo cotidiano
transcende migalhas esperançosas,
buscando refúgio no prazer de se amar.
Enfadonho deliberadamente,
o momento rebusca cada traço de boa lembrança,
para transformá-lo em saudade.
E a saudade é algo que não morre nunca!
Vive-se dela, alimentando-a
até que se torne um gigante descomunal,
no apogeu da tragédia cômica de se perder.



Rio de Janeiro (RJ), 23 de outubro de 1987 - Otail Santos de Oliveira

À Liberdade III

Lembro-me de ti
quando desponta o sol pelas montanhas
quando passeio pelas encostas
quando o vento rompe em assobios
quando desdobra-se a rosa
 a soluçar perfumes...

Lembro-me de ti
quando as lágrimas do sorriso
escorrem traiçoeiras
quando o falar gagueja
a emoção da palavra
quando do som nasce o canto
e do canto o grito de amor...


Lembro-me de ti
após tantas corredeiras
e em sonhos, quando
descansas teu nome
numa imensidão de nuvens luzentes...
pois tu chamas vida
regato das essências
luz...
Liberdade!

Rio de Janeiro (RJ), 15 de junho de 1987 - Otail Santos de Oliveira

Anunciação

Porque tenho a camisa suada e a boca seca...
(a falta de saliva, gasta em fúteis discursos)!
pela vida lá se vão minhas palavras,
aves roubando o espaço das nuvens.
Sobressai minhas mãos, rotas amarguras,
guerras travadas adiante, no passado:
- bruscas tempestades lívidas presenças
rasgando o chão como enxada peçonhenta.
Mas sabe de mim teus olhos cansados,
do amor guardado em meu peito,
luz rompendo a aurora
na volúpia do beijo trazido de um sonho...
E tu, já menina, ainda mulher!
Gole de cachaça adoçando em delírio
o brando amargor da saudade.
Sobretudo, ainda resta a lembrança:
- o toque moreno de minhas mãos
na alva sede de teu rosto...
teu sabor de coisa pura na textura de meus lábios,
atraídos eternamente pelo hálito doce
de teu êxtase no fogo da nossa paixão.
Porque tenho aqui, dentro dos meus olhos,
o retrato do teu sorriso:
- libélula branca, pousando hora aqui, hora alí
no palco florido onde vou vivendo a grande epopéia.
Ai de mim, fogo atroz, labaredas queimando
o mato estendido na cama verde da campina...
Deixei correr o rio - o mar tomou-o!
Na tranquilidade da tarde poeirenta,
nuvem vermelha, resto da cavalhada
subindo a estrada nua do sertão.
Ai de mim, amor sofrido!
tantas vezes banhado em prantos...
quantas vezes ressurgido à felicidade,
num pedaço amarrotado de papel
escondido no fundo do bolso,
em cujas fibras torcidas,
floriam versos de amor:
- simples como o sorriso da mãe na espreita do parto;
doloroso como o romper do útero, abertas as portas do nascimento;
feliz como o vagido da criança,
o grande mistério da criação,
o amor transformado em vida!
Porque tenho aqui na ponta do lápis
a sofreguidão do menino e a coerência do sábio...
porque me eleva assim, teu cheiro a ter com as estrelas:
- deixa amor que minha voz escorra por tuas entranhas,
para que na fertilidade de tuas carícias,
possa eu brotar em flor no teu amor.


Pouso Alegre (MG), 19 de dezembro de 1985 - Otail Santos de Oliveira